Perfomer artist Perspective of the creative process in the studio as a place for artistic creation
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Abstract
This research focuses on the analysis of the studio's creative process with the aim of seeking to socially understand the visual artist and how to make their recognition, legitimization and consecration in the artistic and cultural field possible. Throughout this study we can observe that the word artist is used to designate the painter, whose specific activity consists of producing works of art through the use of technical, material and expressive resources with which painting identifies. From a methodological point of view, we assume that although the studio is a place of creation and space for the artist, it can also be adapted into a collection of works documented and exhibited throughout the creative process, as referenced in case studies of artists renowned artists, Rembrant, Henri Matisse, Francis Bacon and Paula Rego in creative processes in their studios. From this perspective, it appears that the fullness of the studio is considered as a testimony to the artist's life, in terms of the arrangement of works and objects in a chaotic or organized way in the different stages of the creative process. Within the scope of this theme, we can conclude that the contribution to the creative process results from the objective reality of the artist, functioning as a mirror of creation and an object of analysis by the society that visits him, attributing to him the dynamics and the true cosmic meaning of the studio's existence.
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1. Introdução
Segundo Hubert Damisch “a definição de artista” é recente, sobretudo se considerarmos o histórico da palavra e o significado que ela apresenta” (Damisch, 1984, p. 66). Ao longo deste processo de investigação foram verificadas alterações sócio históricas e culturais que foram decisivas para a definição de artista, enquanto pessoa responsável pela criação e atividade social, assim como também foi possível entender algumas razões e motivações do artista e o desempenho da sua atividade.
Sob ponto de vista sociológico, a partir do final da Idade Média, após o Renascimento, surgiu uma alteração do estatuto de artesão/artista em que o artista começou a diferenciar-se do artesão, pelo fato de ter ambicionado uma prática associada ao conhecimento, dando origem ao surgimento das várias correntes artísticas (Renascimento, Barroco, Rococó, Neoclassicismo, etc.) Esta mudança implicou uma alteração ao nível do estatuto profissional que por seu lado teve vantagens no posicionamento do artista na sociedade como intelectual ou pensador, com determinada especialização técnica, dando-lhe a possibilidade de ficar integrado em (escolas de arte) assim como nas relações com a comunidade artística, instituições de arte ou entidades que encomendavam obras, tornando-se preponderantes no percurso e na afirmação do artista.
Nesta perspetiva, o espaço do atelier adaptava-se ao artista, identificando-o através da sua vida e obra, tendo em conta os contrastes de espaços organizados ou caóticos com representações e ideias entre artistas diferentes em estilos e identidades dos sujeitos criativos.
De referir, que no espaço/atelier o artista apresenta o processo criativo da obra, considerado o cenário da vida do artista, em que a moldura da obra são as paredes do atelier e o meio onde os artistas estão inseridos determinam as imagens que deixam nas obras com perspetivas diferentes, os ateliers.
2. Problema
O objetivo principal deste estudo tem como referência a ideologia e a desmitificação do atelier como lugar/espaço no processo criativo, onde o artista desenvolve a sua atividade.
Contudo as abordagens de textos estão relacionadas com as questões formuladas, por isso tornou-se imprescindível pesquisar documentos com referência de autores, mais ou menos consagrados, nos campos da teoria, história e sociologia da arte. Após uma inventariação e análise bibliográfica descrita, optou-se por focar uma questão geral:
“A definição e conceito de atelier” e específica no que diz respeito aos requisitos do “artista” “o desenvolvimento do processo criativo no atelier” a “relação do trabalho criativo do artista com a obra de arte” sob ponto de vista sociológico, assim como os relatos de experiências acerca dos seus próprios procedimentos criativos e da sua formação artística.
Após análise bibliográfica, no que concerne ao desenvolvimento do assunto passou a ser descrito por várias etapas: o processo criativo no atelier enquanto lugar de criação artística; interface do atelier para o museu; a criatividade artística no aspeto sociológico e estudos de caso de ateliers de artistas consagrados, como Rembrant, Henri Matisse, Francis Bacon e Paula Rego, assim como os seus processos criativos e concretização das obras de arte.
3. Estado da arte
3.1. Conceito de atelier
“O atelier é considerado um espaço cósmico inserido numa sociedade industrial onde o trabalho físico e a produtividade permanecem visíveis, sendo que a maioria das pessoas considera o estúdio de um artista surreal, designado por um conjunto de espaços arquitetónicos modernos e amplos” (Ursprung, 2009, p. 12). Atualmente muitos artistas e curadores contemporâneos referem-se aos espaços de trabalho artístico ligado ao mundo da arte, como reflexo de uma prática interdisciplinar incluindo o design e a arquitetura. No entanto, o termo tem origem numa fase em que os artistas prestigiavam a sua prática artística e intelectual de reflexão, daí a utilização de studiolos– estúdios – como espaços exclusivos à leitura, estudo e reflexão. A designação de atelier transporta uma riqueza histórica ligada à prática artística diferenciada de qualquer trabalho artesanal das oficinas. Para Quincy (1832) “A definição de Quatremère é consequente da conceção do artista e do seu processo criativo, num desenvolvimento marcado por uma vontade em conferir ao trabalho artístico uma dimensão mais nobre e intelectual, distinguindo-o do mundo artesanal” (p. 117).
Ao mesmo tempo o atelier designava o lugar de trabalho dos “artistas liberais”, pela utilização de studio, adequado às artes do “génio”, como um espaço ao longo da história da arte, adaptado às suas características de acordo com as práticas diversificadas dos processos criativos.
4. Enquadramento metodológico
Esta investigação resultou de um conjunto de textos teóricos de referência de autores, os quais foram de encontro aos meus próprios interesses temáticos no processo de pesquisa.
No âmbito da pesquisa bibliográfica foi possível identificar fontes documentais e autores que refletiram sobre o processo criativo do artista (pintor) ao longo da história da arte. Em relação à metodologia de análise da documentação recolhida, esta investigação utiliza o método qualitativo na medida em que se faz a análise e interpretação de textos, relatos e histórias sobre os artistas, os seus ateliers e os seus processos de trabalho.
Para tal, o mapeamento de textos dos autores que relacionam a arte e a sociedade, permitiram a análise em que o meio social exerce sobre a arte e os artistas referentes nas obras de Pierre Bourdieu, “ A Arte e a Sociedade (1984) / Regras da Arte (1996 [1992])”; Lígia Dabul, com o artigo “Experiências criativas sob o olhar sociológico”; “Relação social da arte no processo criativo do artista” (2007); Mark Rothko, “A Realidade do Artista (2007)”; Umberto Eco, com “A Definição da Arte (1981)”; Cecillia Salles (2012) “Redes da criação e construção da obra de arte/teoria dos processos de criação no atelier e Heinich (1993) “institucionalização do ensino artístico”, que vão de encontro ao desenvolvimento da investigação. Partimos daqui a hipótese, de que o atelier sendo um lugar da criação e espaço do artista, também se pode tornar num acervo de obras documentadas e expostas ao longo do processo criativo. Se a bibliografia geral e específica referida sobre as diferentes possibilidades de relação entre os ateliers de artistas, esta constituiu uma parte significativa e essencial da documentação usada para este estudo, a outra trata sobretudo de informações de ateliersde alguns artistas mapeados em diversos documentos disponíveis online assim como a recolha da documentação existente sobre os artistas, os seus ateliers e a sua relação com o museu ao longo do processo criativo.
5. Revisão da Literatura
5.1. O processo criativo no atelier
A obra surge como resultado da produção, reflexão, sentimentos e ideias e o atelier reflete a atividade intelectual e plástica do processo criativo. Segundo Sjöholm (2013) “os objetos acumulados promovem a reflexão e descoberta para novas ideias, para além de servirem de inspiração do artista assumem uma linguagem comunicativa da sua vida com o público”.
Assim sendo, a dimensão do espaço pode definir o tamanho da obra produzida, a temperatura influencia os materiais nas etapas do processo de secagem e os mecanismos de trabalho podem alterar a execução da obra como parte integrante do processo, tendo em conta a iluminação natural ou artificial projetada, que pode interferir diretamente na obra, entre outros fatores decisivos em relação às “intervenções destrutivas do processo, os bloqueios de criação descritos por muitos artistas, que apresentam quebras no fluxo criativo,” (Salles, 2012, p. 168). O artista possui liberdade sobre a obra como autor, o qual pode desenhar, pintar ou rasgar, pois como está numa etapa experimental, manifesta-se segundo os seus impulsos e convicções. Cecilia Salles (1998) descreve “gesto inacabado, o processo de criação artística, onde os artistas trabalham nos seus espaços de produção com valor móvel e dinâmico, aproximado da construção da obra” (p. 78).
Como tal, o artista alimenta-se do tempo e vive no espaço do atelier e do processo de realização da obra, para que num futuro próximo possa expor o seu trabalho, tendo em conta a importância da obra e do espaço designado para o artista.
“As obras esperam pelo artista. Há uma diferença entre o que se concretiza e o que falta realizar. A ideia de sucesso de qualquer obra inacabada faz parte integrante de todo o processo de criação. Uma obra de arte transforma-se continuamente, estabelecendo novos significados dos diversos contextos em que é exposta” (Salles, 2012, p. 13).
No que respeita ao espaço do atelier, a autora refere que “estes espaços de trabalho não são comparáveis, porque cada artista possui as suas caraterísticas de personalidade e capacidades diferentes, criando cenários distintos, adaptados à sua própria metodologia e linguagem,” (Salles, 2012, p. 13). Neste seguimento podemos comparar nas imagens descritas, três tipos de espaços (ateliers) diferentes do mesmo artista, sendo que mostra o atelier retratado (Fig. 1), envolto em objetos e quadros expostos de forma semicaótico e no espaço “atelier” criado fora de paredes (Fig. 2), o qual realça a profundidade da panorâmica da paisagem e no espaço completamente caótico e desorganizado (Figs. 3 e 4).
Figure 1. “Atelier” no espaço interior. Fonte: Imagem da autora
Figure 2. “Atelier “no espaço exterior. Fonte: Imagem da autora
Figure 3. “Ateliercaótico” no espaço interior. Fonte: Imagem da autora
Figure 4. “Ateliercaótico” no espaço interior. Fonte: Imagem da autora
5.2. Atelier enquanto lugar da criação artística
O atelier é tradicionalmente considerado como um lugar de criação artística, onde decorre o processo criativo envolto em materiais e ferramentas e todo um conjunto de hábitos adequados à época do artista. Este estúdio de criação retrata a identidade de quem o habita, através dos vestígios da produção artística, o contraste de caos-ordem do processo criativo e as várias etapas na pintura de uma obra ou de variadas obras em simultâneo: (...) o estúdio é como um espaço onde se guardam obras antigas, obras em fase de andamento nas atividades do artista, que por vezes se misturam num caos controlado. “O estúdio é discutido como um espaço de descoberta, onde objetos recolhidos e selecionados, materiais e experiências de pesquisa ressoam entre si e provocam a reflexão e o pensamento” (Sjöholm, 2013, p. 2). Embora este espaço, também seja um lugar de memórias, ao longo do tempo foi-se transformando, com novos projetos materializados e moldados como o próprio artista. A relação atelier / processo de criação / obra é absolutamente necessária para o estudo destes processos na criação artística. Segundo a pesquisadora, os processos de criação Cecilia Salles (Redes da criação): construção da obra de arte) “a sua dinâmica, põe em contato com um ambiente caracterizado pela flexibilidade, mobilidade e plasticidade” (Salles, 2012, p. 12). Como tal, quando investigamos esse espaço, deparamos com características diferentes de cada artista sobre a sua vida e identidade. Na questão da produção artística sob ponto de vista da poética / técnica estão interligadas, tal como as mãos do artista na elaboração da obra mostram individualidade e humanidade, já que são elas que esperam a identificação técnica (nome da obra) para que se diferencie da poética. Esta tendência no atelier manteve-se e acompanhou a história da arte ao longo de séculos até à atualidade, influenciada pelas novas tendências na área do design, assim como o seu posicionamento social na comunidade.
Na vanguarda do seculo XX, o atelier era confrontado com abordagens sociais que sugeriam uma adaptação ao espaço como um meio cultural e produção de eventos artísticos abertos ao público, partilhados por diversos artistas reforçando a troca de experiências e discussão de ideias. Esta evolução no atelier, para além de manter a vertente do ensino artístico, abriu portas a um público interessado e estabeleceu relações de aproximação entre este e o artista, considerado um contributo para a evolução do processo criativo sem as tradicionais regras nas exposições dos museus ou galerias. A proximidade do artista com o seu público possibilita-lhe a gestão do seu próprio trabalho com o mercado capital e burocrático, relacionando-se com instituições culturais como mediador e próprio curador das suas obras. Com o movimento do grupo Fluxus nos anos 60 e 70, surgiram várias questões sobre esse espaço, assim como o tipo de arte e a quem se dirigia. O lugar de conceção da arte, que antes era visto apenas no espaço do estúdio, tornou-se num lugar de ideias, experiências e vivências em arte, conforme Silva (2017). “Muito mais, com ou sem paredes, o atelier contemporâneo caracteriza-se pelo fluxo de tempo e de pessoas em movimento. Se a contemporaneidade discute o ser exclusivo, induz a pensar um ser múltiplo e provisório, a serem valorizadas, tornando-se evidentes” (Silva, 2017, p. 72).
Contudo, o atelier passou de um espaço de criação fora das paredes, assim como a produção, com possibilidades múltiplas de criação, como nos sugere o artista W. K., através da movimentação intensa do espaço/tempo de sua produção.“Se o atelier já não é visto como espaço artístico, ele deve ser entre um lugar e o espaço intermediário” (Silva, 2017, p. 71). A forma de entender o papel do curador e a importância de ser o artista, o próprio mediador e curador do seu trabalho, Alena Marmo e Nadja Lamas realçam o conceito de curadoria “consiste numa atividade criadora na medida em que temas e condições de conceção são propostos pelo curador, funcionando, como base para a instauração artística.” (Marmo & Lamas, 2013, p. 13). O curador para além de ser o coordenador da exposição, faz a mediação entre o artista e o público, sugerindo temas e técnicas a utilizar sobre o seu trabalho e posterior exposição do mesmo, capacitando aos artistas exercerem “a colaboração, a textualização e a interpretação”(Marmo & Lamas, 2013, p. 15). Como autor das suas obras, o artista questiona e investiga o próprio processo criativo, a forma como este será transmitido através das obras, podendo a exposição ser encarada como uma continuação da obra de arte através do exercício de retrospetiva do seu trabalho, proporcionando um contacto mais próximo com as obras, mediante o olhar crítico do próprio artista sem intervenientes externos e proporcionando a comunicação direta com o público.
5.3. Contextualização histórica do atelier
Nos séculos XVIII e XIX, o atelier passou por várias transformações até ao século XX, desde os custos excessivos das exposições, assim como a desvalorização do trabalho do artista, os quais provocaram alterações em termos de prática artística (Rodriguez, 2002 p. ii). O autor evoca a imposição das alterações da profissão artística, consideradas essenciais nos espaços de trabalho, articulados com os lugares de produção (o atelier) expondo em lugares específicos, com referência de artistas, Piet Mondrian (1872- 1944), Constantin Brancusi, Andy Warhol (1928-1987) e Daniel Buren Gustave Courbet (1819-1877), Gustave Moreau (1826-1899), entre outros. Buren refere a anulação do atelier como sendo um espaço exclusivo de criação artística, cuja reflexão passa por uma dedicação na criatividade e produção artística. Embora a literatura sobre os ateliers tenha evoluído durante os últimos anos, segundo Coles (2012), a prática dos artistas encontrava-se mais avançada do que a reflexão teórica no desenvolvimento de um “arquivo atual” (p. 10) através de modelos de ateliers transdisciplinares, numa prática contemporânea. Sendo assim, os ateliers englobam várias especialidades do foro artístico interagindo com outras tipologias na área do design, a arquitetura, ou exposições. Para O’Doherty (2008), os meios e a forma como a obra é criada e produzida caraterizam a exposição e a recetividade do público, citando exemplos diferentes, como os de Brancusi e Mondrian, na perspetiva da análise do atelier – “a mitologia do artista e a criatividade; a transferência do artista para o espaço do atelier; e o redutivo studiopovera” (p. 38) no museu e na galeria. Nesta abordagem dos diferentes lugares, a evolução da definição de atelier do espaço físico para um lugar, quer seja real ou virtual, carateriza-se por condicionalismos ou estratégias. Segundo esta análise do atelier
“A ideia de que o pensamento antecede o trabalho artístico, considerando a mão privilegiada através da mente, reflete a obra de arte assim como a imagem do artista. O próprio atelier, não como espaço de trabalho, mas pelo conceito, continua a ser um fator determinante para aqueles que pretendem minar o seu discurso ou abandoná-lo por completo” (Esner, 2013, p. 122).
5.4. Interface do atelier para o museu
De um modo geral, antes do aparecimento dos primeiros museus, existiam duas formas de interação entre o atelier e a exposição no enquadramento das obras. O primeiro refere-se ao espaço enquanto lugar da obra do artista, sendo esta, uma prática muito comum a partir do momento em que os artistas elevam a sua atividade para um estatuto intelectual, mais ligado ao pensamento do que à prática artesanal. O segundo surge quando se começou a institucionalizar o ensino artístico e os artistas deixaram de poder vender os seus trabalhos num espaço comercial , como os artesãos (Heinich, 1993, p. 31-32; citado por Rodriguez, 2002, p. 125),fazendo com que a exposição pública e nomeadamente a exposição oficial nos Saloons se tornasse no único modo de mostrar as obras ao público, ainda que se mantivesse em alguns casos a prática de exposições em ateliers privados, os quais foram encerrados gradualmente ao exterior, transformando-se em lugares privilegiados, colocando as relações obra/atelier e obra/espaço expositivo em espaços públicos. O espaço enquanto recurso para o entendimento da obra do artista e a relação que este estabelece com o museu tornou-se essencial, assim como o processo criativo e a existência de diferentes tipos de atelier.
Quando o público tem acesso à obra de arte, dificilmente conseguirá descobrir em que época foi realizada e no espaço que o levaram a criar, assim como a distância do museu com a produção da obra perde o vínculo e a essência do artista sobre a obra no seu percurso. O atelier na realidade é o lugar em que a obra não se limita às regras museológicas, mas comunica com o espaço no seu contexto de criação, embora a sua permanência no lugar onde foi criada se possa limitar à contemplação do artista, atribuindo-lhe valor e reconhecimento. A relação estabelecida com uma instituição cultural para a apresentação das obras e consecutivamente a divulgação do atelier é necessária para o estudo da documentação, arquivo e exposição desse espaço, sem que a produção artística perca a sua origem, permitindo ao público o entendimento do processo criativo e privilegiando o contacto com as intenções e inspirações do artista. No pós-modernismo “o atelier passou a ser designado para além do espaço e produção de objetos, um espaço físico, [...] o estúdio como um local principalmente, destinado à experimentação, à prática, emergindo como um lugar de ansiedade. [...]” (Graber & Jacob, 2010, p. 13, citado por Jesus, 2013, p. 162).
Ao longo da pesquisa verifica-se que atualmente os artistas que se encontram em permanente atividade abram as portas dos seus ateliers para o público e partilhem ideias com outros artistas, considerando que essa nova abordagem resulte na passagem do conhecimento teórico e prático entre o artista e quem o visita. Com o estatuto e enriquecimento cultural, as instituições museológicas são essenciais para o progresso artístico, histórico, social e cultural, entre o artista e o museu em que serão apresentados como exemplos, dois tipos de exposições museológicas do espólio dos pintores, Paulo Bruscky e Brancusi, com o intuito de dar a conhecer o ambiente da criação, os utensílios e ferramentas expostas como obras de arte, em que seria possível reabilitar o verdadeiro espaço do atelier dirigido ao público, como fonte cultural e documental da vida e obra do artista, numa perspetiva de proximidade do habitat do artista em sintonia com o processo criativo.
Nas fases do processo de reconstrução do atelier é importante o conhecimento museológico e artístico do espaço através da instalação de elementos criados e selecionados pelo próprio, onde junta a fase da inspiração e de criação da obra. Mediante esta abordagem expositiva, a relação entre atelier e museu, com todas as implicações e dificuldades que lhe são inerentes, podem revelar-se uma importante análise crítica entre o artista e o processo criativo, a obra e o público, na valorização do processo criativo. Como exemplo de apropriação do atelier para um espaço do museu, (Fig. 5) podemos observar o artista performativo Paulo Bruscky e a partilha do seu acervo artístico do atelier no espaço expositivo da Bienal Internacional tendo em conta a semelhança de Brancusi (Fig. 6) na transferência do recheio do atelier que foi tratada e transportada para um novo espaço com obras do próprio Bruscky e de outros artistas, com objetos, peças artísticas e móveis do atelier/casa do artista (Amado, 2012).
Figure 5. Atelier de Paulo Bruscky. Fonte: https://www.select.art.br/paulo-bruscky-o-artista-que-escreve/
Figure 6. Interior do atelier Brancusi, Georges Pompidou, 1997. Fonte: https://www.select.art.br/paulo-bruscky-o-artista-que-escreve/
5.5. O processo criativo sob ponto de vista sociológico
Na abordagem do contexto sociológico da arte e no processo criativo do artista, Lígia Dabul refere que o processo criativo representa as etapas que antecedem à obra de arte, como atividade prática, culminando com as experiências relevantes de inspiração que advém da sua vida e prática social:
“(…) o processo criativo artístico é descrito como forma específica de sublimação, encadeada por fantasias que dispõe da habilidade e do desejo de expressá-las manipulando determinado material (sonoro, plástico etc.) e acionando a sua consciência crítica construída pela sua vida social” (Dabul, 2007, p. 60).
Este é “um momento de reflexão, sobre si mesmos e sobre o grupo, permitindo-lhes repensar a sociedade”, onde essa reflexão “possibilita a criatividade e a transformação” (Dabul, 2007, p. 65). Para o autor, o processo criativo é uma “experiência individual” (Dabul, 2007, p. 57) destinado ao estudo da psicologia ou psicanálise e pouco abordado sociologicamente.
Pode dizer-se que o artista é simultaneamente um ator e um agente social, ou seja, enquanto indivíduo é um produto da sociedade na qual se encontra inserido como um profissional capaz de usar as suas obras no serviço comunitário ao longo da história. Contudo, para outros autores, entre eles Pierre Bourdieu, essa ‘experiência individual’ é bastante coletiva, já que para o processo criativo pode ser entendido sociologicamente relevante quanto à natureza relacional em que o artista estabelece com o mundo social. “A economia exerce sobre a pesquisa artística ou científica o controle dos meios de produção, difusão e consagração” já que “as ameaças à autonomia resultam entre o mundo da arte e da economia” (Bourdieu, 1992/1996, p. 375). Nesta sequência o processo criativo imposto pela sociedade admite serem os padrões de exigência, o valor da novidade, originalidade e singularidade, dando lugar à cópia e à estagnação artística.
No entanto o ato da criação artística também é entendido como uma forma de intervenção, e afirmação na vida social, contribuindo para um desenvolvimento a nível teórico, sociológico, cultural e artístico em benefício das novas gerações.
Segundo Pierre Bourdieu (1992/1996), ao longo de todo o século XIX houve um decréscimo de dependência estrutural, “a relação entre os produtores culturais e os dominantes” verificando-se a partir dessa altura a “dependência direta” dos artistas em relação ao “comanditário (com maior frequência nos pintores e escritores)” ou “com fidelização a mecenas”, tratando-se de “uma autêntica subordinação estrutural, desigual para diferentes autores mediante a sua posição social,”: por um lado “o mercado, cujas sanções podem ser exercidas” (nesta situação, ao artista se for vendedor das suas próprias, ou intermediários), por outro lado “as ligações, por intermédio dos salões a certas frações da alta sociedade beneficiando o mecenato de Estado” (Bourdieu, 1992/1996, p. 65). Ao longo dos tempos, foram vários os artistas que se lamentaram desta subordinação estrutural de que Bourdieu nos fala, sendo recorrentes as reclamações e os desabafos quanto à forma como a sociedade exerce um papel decisivo no processo criativo e mandatário das próprias obras de arte:
Segundo Bourdieu (1992/1996), o conceito de campo artístico e escolhas do artista são filtradas e selecionadas, acabando o artista por desempenhar uma dupla função, como ator e espectador do seu próprio trabalho, subordinando-se às regras patenteadas, condição para que ao artista seja permitida a prática da sua arte de forma rentável para a sua subsistência. A norma, a legalidade seria excluir o que parecia opor-se-lhe declarando-o fora da norma, anormal, senão mesmo ilegal, fora da lei, chegando-se eventualmente a denunciá-lo para fins políticos como «doente» ou «degenerado» (Damisch, 1984, p. 69). “Na versão sociológica, o chamado artista maldito o ‘renegado’ ou ‘recusado’ da sociedade” “apercebeu-se que era excluído pelo sistema político e social vigente” (Damisch, 1984, p. 69). Na época do Renascimento imperava o fator da manipulação religiosa e intimidatória aos artistas que não respeitassem as doutrinas por esta impostas, através de ameaças e provocações morais. Os artistas venezianos foram: “(…) no decorrer do século XIII, obrigados a renunciar ao [uso do quadro de cavalete] para pintarem outras formas de expressão, pintura mural, escultura, cujos interesses correspondiam às necessidades da sociedade «esclarecida»” (Damisch, 1984, p.79).
O problema face ao que é a liberdade artística no decorrer do processo criativo, ligado às exigências sociais da moralidade e das normas de aceitação do campo artístico, também dependiam das leis da economia de mercado em que à obra de arte era atribuído um valor monetário que servia de sustento ao artista profissionalmente reconhecido (Heinich, 2005).
6. Estudo de Casos
6.1. Atelier – Rembrandt
O pintor holandês Rembrant (1606-1668) criou o mercado de arte no século XVII ao profissionalizar o seu atelier e retratar sob encomenda a burguesia do seu país, (Fig. 7) “O projeto de Rembrant.” e (Fig. 8) Atelier, casa museu de Rembrant.
Figure 7. Atelier de Rembrant . Fonte: https://www.getty.edu/museum/about.html
Figure 8. Atelier, casa museu. Fonte: https://www.amsterdam.info/es/ -museo-de-rembrandt/
Rembrandt era considerado um artista independente, contra o mecenato, o qual pretendia ter o controlo sobre os seus quadros e ter avultados lucros com eles. A relação de Rembrandt com os seus assistentes, mostrava o quanto exigia que aprendessem a pintar no seu “estilo”, imprimindo a “marca Rembrandt” em tudo o que saísse do seu atelier.
Segundo a famosa frase de Adam Smith, ele tinha uma vocação para ‘negociar, permutar e trocar’, e para criar obras que convinham a esse tipo de transação.” [...]. Era um artista muito requisitado para pintar retratos, o que fez dos seus contemporâneos lhe renderam a fama. Os modelos não tratavam o artista Rembrandt de forma diferenciada porque por vezes era criticado no seu trabalho, por não se sentirem fielmente retratados. Rembrandt ainda usava o método criado no século XVII, que ditava, quem assinasse uma tela, mesmo não sabendo quem a tivesse pintado, era sempre do dono do atelier. Um estudo da escritora e historiadora de arte, Svetlana Alpers (1988), potenciou ao pintor Rembrandt van Rijn (1606-1669) o mérito (embora para alguns fosse demérito) e atribuir um sistema de comercialização de suas obras, precursor da transação, como mercado de arte. O Projeto de Rembrandt “O Atelier e o Mercado” a autora narra a afirmação do estilo, técnica e métodos de trabalho do artista.
Svetlana descreve como as condições que definiram o estilo do artista, o imortalizaram como génio das artes, controlado e patrocinado pelos mecenas culturais: “ele não foi apenas um homem de atelier, também foi um homem de mercado. No sentido contrário, os críticos modernos verificaram na interpretação de Svetlana uma “ideologia materialista” da relação de Rembrandt associado ao mercantilismo artístico, embora o pintor não visse obstáculo nenhum em tratar as suas telas como mercadoria. Contudo para a autora “não é descabido que as obras de Rembrant não sejam exclusivas e singulares da sensação de uma presença humana quase material, feita de tinta?”. Sveltlena (1988) reforça a ideia da autenticidade das suas obras, atribuindo-lhe uma marca registada, no século XVII que depois foi revogada três séculos depois, noutro contexto social e artístico.
6.2. O atelier – Henri Matisse
Matisse (1869-1954) pintava o imaginário e daí surgia uma sensação, uma ideia, seja de forma física ou através de um pensamento fruto da sua imaginação, para um público que desfrutava e observava as suas obras. Para este artista, a cópia não acrescentava nada ao universo artístico, “qual o interesse conceber-se mais belo? A relação do objeto com o artista e o poder que ele detém em organizar as suas sensações e as suas emoções” (Matisse, 1972, p. 119). No contato com as obras, o público observava e valorizava através da visualização que estabelece e que pertencem a cada um individualmente, e só assim a obra pode alcançar a dimensão do processo criativo. O artista defendia que a escolha das cores “não se baseia em nenhuma teoria científica: apenas na observação, no sentimento, na experiência” (Matisse, 1972, p. 39-40) da sua sensibilidade. Matisse relaciona o seu processo criativo com as sensações que a natureza, os objetos e tudo aquilo que o rodeia lhe transmite, antes da conceção plástica começar, (Fig. 9) representação no espaço ilusório do atelier.
Figure 9. Matisse (l'Atelier Rouge) Momma Nova Iorque, 1911. Fonte: https://www.moma.org/collection/works/78389
O pintor Henry Matisse criou uma ligação com tudo o que observava, pois, a sua inspiração era munida pelas emoções que o provocavam, obrigando-o a exprimir da melhor forma, essa relação, causa/efeito. Segundo o autor, “quando se trabalha muito tempo no mesmo meio, é saudável interromper a dado momento a marcha habitual do cérebro com uma viagem que faz descansar algumas das suas partes e deixa afluir outras, comprimidas pela vontade” (Matisse, 1972, p. 90-91). O mesmo acontece quando os artistas têm ateliers em diferentes cidades ou países, acabam por enriquecer as suas referências visuais, deixando-se influenciar por novas sensações e ligações com o meio envolvente. Segundo os relatos do artista compreende-se que a obra de arte não é o produto essencial, tendo em conta que o processo criativo possui uma dimensão fundamental para o autor, seja através da inspiração ou da relação com o atelier e o local onde o artista e a obra se inserem. Cecilia Salles realça a ideia da contemplação do “produto considerado acabado pelo artista” (Salles, 2012, p. 26), “o produto como obra de arte “a ênfase dada ao processo não ocorre a favor da obra, só nos interessamos em estudar o processo de criação porque essa obra existe” (Salles, 2012, p. 13).
Ao longo do processo criativo a obra de arte deve ser única e exclusiva, dado que o artista aceita como uma obra inacabada, aquela que representa fielmente essa emoção que o inspirou e o local onde está representada diante dos vários contextos onde se insere. Já na exposição do espaço museológico ou galeria, deve exteriorizar e dialogar com o público, pois afirma o artista que “uma obra deve conter em si própria todo o seu significado, e impô-lo ao espectador mesmo antes de conhecer o tema (...), pois está presente nas linhas, na composição, na cor e o título limitar-se-á a confirmar a minha impressão”. Contudo, quando a obra é retirada do ambiente do atelier e posteriormente é colocada num museu, restringe-se ao espaço e às regras expositivas. “Em vez de tintas e objetos substitui-se agora por uma organização rígida e moderna, embora o público visualize as telas, porque não é capaz de entender as ideias do artista, nunca vai ser compreendido pela maioria” (Matisse, 1972, p. 48). O importante seria o público obter um termo de comparação entre o que o artista diz e o que o inspirou na execução da obra tendo em conta a sua situação profissional porque nunca quis abdicar da sua liberdade de expressão e pelo enriquecimento com as suas obras. Matisse apresenta-se como um pintor humilde com dedicação, e a expressão fiel na obra de arte.
“Há mais de cinquenta anos que não paro de trabalhar. Das nove ao meio-dia, primeira sessão. Almoço, faço uma pequena sesta e recomeço a pintar das duas da tarde até à meia-noite. Não me acreditam. Aos domingos, sou obrigado a contar toda a espécie de mentiras aos modelos. Prometo que é a última vez que peço para virem posar nesse dia” (Matisse, 1972, p. 68).
A pintura nunca foi vista como um emprego que sustentasse uma pessoa ou família, os artistas eram obrigados a ter outra profissão, pois a venda das obras era insuficiente para a sua sobrevivência, em que a única forma de fazer frente a esta dura realidade era tentar agradar ao público e a quem estava ligado ao campo artístico da época, na tentativa de entrar para o circuito dos profissionais integrados, mesmo que as suas obras não contribuíssem para a evolução da arte, pois afirma Matisse que “gosta-se menos dos quadros quando valem alguma coisa do que quando não valem nada; então, são como filhos infelizes” (Matisse, 1972, p. 77).
Matisse ficou satisfeito quando se afastou do mercado para respeitar o culto da sua arte.
«Trabalhei» «para enriquecer o meu cérebro satisfazendo as diferentes curiosidades do meu espírito, esforçando-me por conhecer os diferentes pensamentos dos mestres antigos e modernos da plástica. (Matisse, 1972, p. 44). Matisse copiou obras de vários artistas, entre eles Poussin, Rafael, Chardin, David de Heem, Philippe de Champaigne, entre outros, mas não se sentia preso pela cópia, afirmando que devia a sua “arte a todos os pintores.”
6.3. O atelier – Francis Bacon
O artista Bacon (1909-1992) mostra-se em contraste com a análise do atelier, porque preferia o caos, acreditava que esse caos o iluminava com ideias e imagens fantásticas, por isso era incapaz de pintar num estúdio organizado totalmente preenchido com fragmentos de composições antigas.
A moldura que envolvia a obra eram as paredes do seu atelier, fruto das experiências diárias do processo artístico do artista. No lugar de paletas para fazer as cores, Bacon usava as paredes introduzindo camadas de tinta sobrepostas alternadamente. Para além do ambiente catastrófico de telas, imagens, rascunhos e esboços espalhados no chão, latas de tinta empilhadas, objetos de uso do seu quotidiano, num espaço circunscrito com pouca luz, o artista apesar da confusão instalada, conseguia organizar as suas ideias artísticas e concentrar-se unicamente no processo criativo de uma nova obra (Xenbay, 2010). O espaço transformava-se e adaptava-se ao artista, identificando-se como uma referência viva da sua vida e obra, reconhecido pela violência dos seus quadros, a força e angústia que as imagens transmitiam, onde as obras ganharam forma ao longo do próprio espaço do atelier. O contraste de um espaço organizado ou caótico representam ideias de artistas diferentes, por um estilo que deixam como marca nas obras de arte. O artista não só foi pioneiro em novas formas de sugerir o movimento na pintura e na fotografia em estúdio, assim como o seu contributo para a história da arte através da publicação de obras literárias, na abrangência de figurações, representações e lugares como designer de interiores, construindo realidades paralelas - os ateliers.
Bacon foi considerado um pintor reconhecido pela força e pela angústia dos seus quadros que estes transmitem, inseridos no espaço do atelier, contrastando com o acentuado espaço organizado para outro caótico, cujo cenário de representações, ideias, estilo e identidade se estabelecem entre artistas diferentes, (Fig. 10 e Fig. 11) mostrando o cenário caótico dos objetos, livros e utensílios de trabalho e a composição de camadas de tinta sobrepostas nas paredes do espaço.
Figure 10. Interior do atelier de Bacon. Fonte: https://www.turomaquia.com/por-dentro-de-francis-bacon/
Figure 11. Interior do atelier de Bacon. Fonte: https://www.turomaquia.com/por-dentro-de-francis-bacon/
6.4. O atelier – Paula Rego
No atelier de Paula Rego (1935-2022) surge espaço e luz com muitas telas encostadas às paredes de uma forma mágica e inexplicável, como acontece com quase todos os pintores, mas também existe um teatro perverso com todo o tipo de máscaras relacionadas com histórias bizarras de humanos e animais fantasmagóricos. À volta do atelier havia uma coleção variada de roupas (vestidos antigos, peças de tecidos, objetos pessoais, entre outros comprados em mercados e feiras, como sempre comentava. Estes objetos sempre estiveram espalhados pelo chão no caso dos brinquedos e bonecas de infância, peças sentimentais, peças esculturais de animais que serviram de modelos, bonecos improvisados feitos de peças de vestuário e de papiermâché amarrotado com argamassa de gesso e que depois eram utilizados como modelos para contar histórias quer sejam vivenciadas ou imaginárias, mais pareciam feitos para brincar, mas que se autorretratam nas telas misteriosamente de forma inquietante.
O atelier de Paula Rego sendo considerado um refúgio repleto de objetos simbólicos e signos do seu passado, desde aves empalhadas, cerâmica, espelhos e móveis, tornavam o ambiente com grande misticismo. Nos cavaletes existiam telas e papéis com rabiscos, onde a presença feminina se notava de maneira poderosa e perturbante. A artista viajava no seu próprio mundo, voando de modo sublime, expressando-se com a ajuda de personagens imaginários e com variações de voz. A força da sua mente criativa parecia estar ao serviço da mulher, sendo uma feminista assumida e uma contadora de histórias através de imagens que representava. Segundo ela, não há pintura se não houver uma história. «A mulher é uma história por contar; a história das mulheres nunca foi contada em pintura», refere. Mas a sua obra conta a história da condição feminina desde sempre, recorrendo a composições complexas onde a componente física das suas personagens descortina uma sexualidade reprimida, as protagonistas sofrem em silêncio e se oferecem a jogos de poder e a sentimentos ambíguos (Fig. 13 e Fig. 14) representada pela sua magnitude inquietante escondida atrás da máscara, mostrando todo um conjunto de artefactos, roupas e objetos por ela utilizáveis para a concretização da sua obra.
Figure 12. Atelier, Paula Rego. Fonte: https://www.timeout.com/pt/filmes/paula-rego-historias-segredos
Figure 13. Atelier, Paula Rego. Fonte: https://www.timeout.com/pt/filmes/paula-rego-historias-segredos
Nas paredes ou simplesmente no chão do estúdio existiam papéis, rascunhos e telas amontoadas, com cenas chocantes que emocionam e inquietam, encantam e denunciam, com mulheres humilhadas, mas triunfantes. Paula era notável ao utilizar o grotesco para abordar tabus e fobias enterrados no subconsciente, mas que permanecem à superfície em relações traumáticas que surgem como tema central da gravura da artista, para a edição limitada com a sua assinatura.
7. Conclusão
Este trabalho resultou do estudo acerca do atelier, lugar onde se desenvolve o percurso do processo criativo do artista, dada a sua importância no âmbito artístico, social e cultural. O atelier do artista foi desde sempre considerado um lócus de experiências, hábitos do quotidiano, vestígios e materiais na construção de obras de arte e objetos utilizados, em que o espaço tem vindo a adaptar-se, não só no aspeto visual de cada época, em termos de estrutura e arquitetura assim como as necessidades do artista, como foi citado na pesquisa referente aos ateliers dos artistas: “Rembrant”, criou o mercado de arte no século XVII ao profissionalizar o seu atelier, como um processo criativo aberto a mudanças e contínua adaptação. “Matisse” representava o atelier como manifestação do espaço ilusório “Francis Bacon”, utilizava as paredes do espaço como paleta de cores e “Paula Rego" o atelier era considerado um espaço mágico, onde acumulava objetos que despoletavam novas ideias para obras em constante transformação pela presença física da artista. Através da abordagem destas tipologias, conclui- se que o atelier do artista sempre esteve presente em qualquer processo de produção artística, sobre os lugares onde se desenvolvem os processos de criação e produção de obras de arte nas suas mais variadas conceções.
Podemos constatar que a nível sociológico, surgiu a partir do final da Idade Média uma alteração do estatuto de artesão/artista após o Renascimento sobre os processos artísticos e o papel social que o artista desempenhava no meio artístico, obrigando o artista a seguir a legislação com limitações no seu processo criativo e pessoal.
Para além destas observações, são preponderantes as relações criadas com a comunidade artística, assim como o contacto com profissionais da área, os quais influenciaram a aceitação do artista na sociedade. Conclui-se que existe uma relação do processo criativo com o atelier do artista como um local de trabalho, onde rege a sua inspiração e acumula um conjunto de vivências, quer físicas ou materiais que podem suscitar novas ideias pela presença física do artista, considerada parte integrante do seu percurso artístico. Como última análise geral do que foi dito, procurei instigar algumas considerações para que possam estimular o desenvolvimento de possíveis investigações futuras sobre o tema.
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